quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Introdução:

"Ela sentia-se completamente sozinha, perdida, sem vontade de viver. Sem amor próprio, sem sonhos, sem objectivos, fé ou qualquer tipo de sensações humanas. Encontrava-se à janela com o comprimido na mão, prestes a terminar com o seu sofrimento, pois não tinha mais nada que a prendesse aqui, a este mundo, a esta fase a que chamam "vida". Mas antes de dar esse passo que seria o mais importante da sua vida, onde marcaria o fim e o inicio de uma nova "Era", resolveu pensar. Resolveu reflectir no que a levara àquele ponto, àquele extremo. E foi então que os "flashbacks", memórias, lembranças e até vivências e experiências recentes começaram a surgir na sua mente como relâmpagos numa noite de tempestade- todos de uma só vez. Ela respirou fundo, tudo parou na sua cabeça:
"-Calma, quero lembrar-me e recordar-me de tudo sem pressa e com pormenores. Afinal quero ter o gosto de saborear o que foi a minha vida como deve ser, já que esta é a última vez que o faço"- pensou ela.
Saiu da janela e pousou o seu comprimido em cima da cómoda com o espelho enorme e olhou-se nele. Lembrou-se de todas as vezes que se tinha olhado e admirado. Cantado e dançado, achando-se linda e mulher (momentos de pequena felicidade só dela). Momentos em que falara sozinha, imaginando "diálogos" em situações específicas do quotidiano, tentando arranjar soluções para os seus problemas, dúvidas e onde ela própria despejava as frustrações e tristeza. Onde chorava e desabafava. Mas acima de tudo, onde falara tantas vezes consigo própria e com a sua consciência. Como se costuma dizer: "Sozinha, mas nunca mal acompanhada." E nem isso ela fazia agora, não conseguia. Achava-se feia, estava muito magra (pesava cerca de 45 kg) e tinha umas enormes olheiras das noites mal dormidas e do cansaço psicológico instalado na sua mente e corpo. Chorava cada vez que se olhava ao espelho, cada vez que se lembrava do que outrora tinha sido e no que se havia tornado- um autêntico cadáver. E então lembrou-se..
Daquela áurea de luz que nela se irradiava quando se olhara ao espelho com Ele ao seu lado e lhe dizia:
"-És linda, és a minha princesa, a mulher que mais amo no mundo." Se tinha sido, ele não o demonstrou quando ela mais precisava dele.
E bastava isso para ela sorrir e se sentir a rapariga mais especial e feliz do mundo. Uma vez tinha lido algures no facebook: "Homem que é homem faz as outras mulheres sentirem ciúmes da sua namorada e não ao contrário.." Era o que ela sentira nesses e em todos os outros momentos em que estivera com Ele. Pura ilusão.
Ela amava-o e iria amá-lo sempre. (Pensava Ela)
E então uma lágrima escorreu e sorriu, mas limpou-a. Este momento teria de esperar mais um bom bocado. Saiu do espelho e sentou-se no sofá. Sofá que para além de estar ao lado do espelho, estava também ao lado da janela, era linda a paisagem de frente. Sofá que também tantas vezes a tinha aconchegado em tardes e noites de Inverno e Verão. Que tinha sido seu conselheiro nos momentos bons e maus, de felicidade e dor. Mas nessa noite, todo esse sofrimento, solidão, dor e vazio, não se equivalia a qualquer outro sentimento por ela experimentado até hoje. Enquanto se ajeitava, chegando-se para trás, pegou no seu "Fofinho". Um roupão velho cor de rosa, com pequenos pêlos de veludo que lhe relaxavam o corpo e mente à medida que lhes tocava. E tapou-se.
Aconchegou mente e coração e preparou-se para uma longa viagem no tempo, do que tinha sido a sua vida e reviver tudo de novo, pela última vez.
Mas como era de esperar, ela queria um momento perfeito, e como todos os momentos perfeitos precisam de algo que lhes dê vida, ela decidiu pôr música. Tudo na sua cabeça voltou à bagunça inicial e levantou-se para ir buscar o seu mp3 que se encontrava em frente, na sua mesa de trabalho, ao pé do seu portátil.
Nele continha o que precisava neste momento, a banda sonora da sua vida.
"-Havia algo mais perfeito?"- pensou ela. Uma resposta lógica e acertada seria :"-Óbvio que há sua parva, acabares com esta porcaria!".
Mas a sua cabeça e coração responderam.. "-Não."
Aquele seria o seu último momento perfeito. Voltou então para o sofá, sentou-se e aconchegou-se. Estava instalada. Tudo voltou ao normal na sua cabeça, a paz reinava novamente. Aliás, à noite era a única altura do dia em que se sentia totalmente em paz. E finalmente pensou:
"-Agora sim, estou preparada."
Colocou os auscultadores e iniciou a sua viagem ao longo do tempo, pela sua vida, pelo seu passado."